quinta-feira, 18 de outubro de 2012

15 Contos+ - Volume I - 1a. Edição



COLETÂNEA, VOLUME I, 1a. EDIÇÃO


A todos aqueles que  se entregam à arte de ler e de contar.



TEXTOS DE:


EDIÇÃO: Helena Frenzel

Outubro de 2012



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Esta obra está licenciada sob uma Licença Creative Commons. Você pode copiar, distribuir, exibir, executar, desde que seja dado crédito ao autor original (Para ter acesso a conteúdo atual aconselha-se, ao invés de reproduzir, usar um link para o texto original). Você não pode fazer uso comercial desta obra. Você não pode criar obras derivadas.

Nota da Editora


Caríssimo(a) Leitor(a),
         Com   grande   alegria  trago-lhe  o  primeiro   volume  da  coletânea  15 Contos+. Aqui você encontra quatorze contos de vários autores, um conto meu e o prefácio de José Cláudio Adão. O projeto 15 Contos+ é uma iniciativa sem fins lucrativos que propõe destacar, a cada ano, textos de autores independentes que publicam na Internet. Ao fazer isso, esperamos tornar-nos boa referência para quem gosta do gênero conto ou se dedica à arte de contar, divulgando bons trabalhos de autores brasileiros, amadores ou profissionais, ainda pouco conhecidos do público leitor em geral.
         Como toda mãe que traz à luz um filho muito desejado, com imensa alegria vi este projeto crescer, o que só foi possível graças à colaboração de todos os colegas que prontamente aceitaram meu convite para participar do primeiro volume e gentilmente cederam-me seus contos, autorizando-me a publicá-los e distribuí-los sem ônus. A esses colegas quinze mil vezes “obrigada”, quinze mil vezes quinze, mais dez! Quanto à organização deste volume, dispusemos os contos por autor, em ordem alfabética, e ao final de cada um, informações adicionais. No tocante à nova ortografia, conservei a opção de cada autor(a). Assim sendo, pode-se encontrar ocorrências de ‘ideia’ ou ‘idéia’ ou casos semelhantes nos diversos textos e não creio que tal escolha possa confundir o leitor e comprometer a qualidade dos textos. No mais, desejo-lhe boa leitura e de já convido-lhe a acompanhar as publicações do projeto e conferir os próximos volumes.
Um abraço fraterno,
Helena Frenzel
Autora e Editora.

Prefácio


Por José Cláudio Adão
         Para quem está produzindo narrativa de ficção na literatura atual, desenvolver e apurar a capacidade de síntese tem se tornado uma exigência cada vez mais urgente.  O tempo — ou a sensação de sua fugacidade — tem espremido a todos empurrando-nos para uma busca pela próxima coisa a se ver, fazer ou ler, de forma que as extensas narrativas de um passado não muito distante estão ficando mais restritas a romances e dramas épicos ou epopeias. E histórias de longa duração precisam ser bem esmiuçadas, sem perder o atrativo por parte de quem lê, tampouco o “fio da meada” por parte de quem as produz.
         A crônica cotidiana e, especialmente, o conto são categorias, estilos ou gêneros que fracionam histórias de vida e na maioria das vezes não guardam relação de continuidade ou linearidade umas com as próximas — se do mesmo autor — já que este as cria a partir de suas observações, de suas leituras, de suas vivências. Por esta mesma razão e pela pressa do mundo que lê, temos visto que há uma redução significativa no tamanho dos textos dos contos, o que nos interessa aqui. É exatamente esse o grande mérito do livro que ora é apresentado ao leitor. É impressionante como em 15 pequenos contos, desponta uma riqueza literária tão significativa vinda dos autores, sem nenhuma exceção. Todos abrangendo uma bela, atrativa e agradável situação, caso, imaginação e reprodução completas. Não há lacunas, nem supressões comprometedoras. Há sim, uma abrangência impressionante, o que corrobora minha afirmação inicial acerca da capacidade de síntese dos novos autores da nossa literatura. Pela coletânea, dá para afirmar sem correr riscos que estamos caminhando para um equilíbrio da nova produção literária com as exigências da modernidade. O essencial aqui é visível aos olhos.
         Quando recebi o convite de Helena Frenzel  (organizadora e uma das autoras) para produzir este texto introdutório, fiquei entre surpreso e apreensivo. Surpreso pela honraria. E apreensivo pelo tamanho da responsabilidade. Quinze autores são quinze idiossincrasias diferenciadas.
         Alegrei-me bastante, no entanto, quando recebi o material e pude constatar que a maioria deles e delas já são velhos conhecidos meus do site literário Recanto das Letras e outros de publicações independentes em blogs e afins. Aí aumentou a minha certeza de tudo que afirmei acima e me senti ainda mais honrado, pois é gente de talento comprovado através de suas páginas na internet e (alguns) com livros já publicados.
         Aqui tem ironia, suspense, humor, realismo fantástico e realidade se misturando aleatoriamente, mas o gozo segue linear, desde o primeiro até o último conto. Pode-se começar do início, do meio  ou de trás para frente sem que se perca uma só página de prazer em ler.
         Minhas alegres congratulações a todos os autores, minha gratidão à Helena pelo convite e o meu desejo de deleite aos leitores.


JOSÉ CLÁUDIO ADÃO é mineiro de Itabira (MG) e escritor. Publicou o ensaio “A Vida do Bebê -Segunda Parte - De 40 para Frente” (Biblioteca24x7, 2010), e os livros de crônicas: “Arcanjo Isabelito Salustiano” (Biblioteca24x7, 2011), “Em Cômodos Incômodos da Mente” (Biblioteca24x7, 2012) e “Vida de Peão” (Editora Pimenta Malagueta, 2012). Mantém os blogs “UAI Mundo” , “Somos Todos Personagens“ e uma escrivaninha no site Recanto das Letras.



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Uma Casa Cheia de Flores


Por Ailton Augusto
“(...) no homem se exaspera a anomalia de tudo o que respira.”
Emil Cioran
         Tinha acabado de fechar a janela, apesar do calor. De fora, vinham ruídos de festa que alteravam o ritmo que queria imprimir àquele trabalho que avançava pela madrugada. Ele entendia que toda interferência devia ser cortada. Sobre a mesa, uma xícara de café amargo esfriava e um conjunto desordenado de papeis ostentava rabiscos que talvez só ele próprio decifrasse, dada a caligrafia miúda e pouco linear que preenchia os rascunhos de uma futura apresentação. Queria atingir a plateia com frases de impacto: “...se pode ser chamado deste modo o momento em que nos sentimos ultrajados em nosso papel de seres pensantes e responsáveis por nossas próprias vidas. O momento em que descobrimos que estamos, como desavisados fantoches, tendo nosso destino traçado por mãos alheias”.
         Mas, para alcançar seu objetivo, seria interessante (para não dizer necessário) que ele próprio não estivesse sendo impactado-atravessado pelo ambiente ao seu redor. Havia chegado àquela casa já à noite, convidado para um final de semana de descanso após uma série de participações em palestras e pronunciamentos. Em todo caso, ele sabia que não descansaria antes de terminar aquele texto.
         Antes de voltar para a escrivaninha, colocada no quarto de visitas em consideração ao seu estilo hiperativo, ele parou no meio do recinto agora abafado, tentando recuperar o arranjo de suas ideias, perturbado pelo som que vinha de fora e que ainda se ouvia, longe, mesmo com a janela fechada. Porém, se viu às voltas com outras ideias, tentando também dar corpo, nome e sentido à sua estadia naquele local. Lembrou-se que, ao chegar, sua miopia não lhe havia permitido enxergar muito bem o jardim, mas este era um pequeno detalhe frente ao esforço que fazia para disfarçar o cansaço de todo um dia de participação em conferências. Ele sabia que sua anfitriã também estava cansada, mas notou que ela aparentava ter mais disposição, apesar de ostentar alguns anos a mais.
         Seu ingresso na casa havia sido precedido de um aviso: “trago visita”. Sete sílabas que, combinadas, eram suficientes para preparar o ambiente e os outros habitantes da casa, ainda que não tivessem o mesmo poder sobre o convidado, o qual foi surpreendido por um mundo de cores e um aroma inconfundível de rosas boiando no ar. O jardim, que há menos de um minuto ele não enxergara do lado de fora, estava, em verdade,  transposto ao interior da casa, na qual se notavam jarras de flores espalhadas por todos os cômodos.
         De volta à mesa de trabalho, ele se obriga à releitura de todo um parágrafo. Ao lado da luminária, uma das jarras de flores que foi mencionada acima. Releio o parágrafo anterior e noto que a descrição que fiz das flores tomou mais tempo e mais palavras que a percepção do meu personagem, quase instantânea. O problema é que essa percepção logo se perdeu em meio às apresentações que sua condição requeria, assim como nos perdemos, ambos, no exercício da escrita. Para que voltemos ao trabalho, o situo (por alto) da origem das flores: um parente que vive a algumas quadras dali as trouxe pela manhã. Deve ser essa a explicação.
         Sem mais questões para dispersá-lo da tarefa que se havia imposto, voltou à leitura de seus papeis. Uma caneta na mão direita serviria para cortar excessos ou fazer acréscimos. Com uma careta de desgosto riscou um período inteiro de afetada humildade e simulada incompetência: “Não sei ao certo como se faz essa coisa de 'julgar a História', entendem? Eu nunca precisei fazer isso. Mas, já que pedem minha contribuição ao debate, penso que o melhor será não fazer-me de rogado, mesmo convicto de que não trarei nada de útil porque, além de não saber julgar, tudo aconteceu há algum tempo e a memória pode falhar”. Sentiu-se cansado das piruetas de estilo a que a arte do convencimento o estavam forçando, além do barulho que ainda vinha de fora. Apagando as luzes, foi deitar-se nos braços de Morfeu. Escrevo assim para continuar usando as mesmas figuras-firulas de estilo que esse senhor cuja vida tento flagrar. Mas sei que é um esforço inútil porque, enquanto brinco com as palavras, ele sonha com as flores que enchem a casa. Trata-se de sonho que, de alguma maneira, se lhe configura como uma confirmação de que aquilo em que acredita é real. Ele se vê num paraíso cheio de flores, prenúncio de muitas boas coisas... Súbito, o despertador do celular tocou estridente e ele acordou sobressaltado, espantando para longe as flores reconfortantes. Disfarçou o mau humor que isso causava durante o café da manhã.
         Depois do almoço, menos contrariado e com o texto pronto (pronto?), se deixa ficar à mesa para uma conversa que supunha seria amena. É então que descobrimos (não sem susto) que as coisas são menos simples do que parecem. Contam para ele como a família que o está recebendo perdeu um membro de forma trágica. Um jovem de vinte e poucos anos vítima de infarto durante uma viagem a Bariloche. O relato é interrompido pela passagem sucessiva de um lenço de papel pelos olhos e pelo nariz da senhora que está com a palavra. Sente-se aturdido diante do assunto delicado e faltam-lhe palavras para consolar a uma avó de quase noventa anos que sobreviveu à perda do próprio neto. Pede licença e sai para uma caminhada. Alheia a tudo isso, a senhora continua sentada na cozinha de sua casa e escreve, com letra insegura, em um caderninho que intitula de diário. 
         Enquanto ele caminha, vai se recriminando pelo modo romântico com que encarou a presença das flores na casa, além da pouca utilidade que suas suposições sobre a origem delas tiveram no momento de consolar sua anfitriã. Afinal, flores servem para tantas coisas! Tantos são os símbolos deste mundo. Uma obviedade: leva-se flores ao cemitério, por exemplo, como uma maneira de agradar aos mortos. E então pensa: também pode ser que se encha uma casa de flores para, estando vivos, despistarmos a dor da perda.
         Encontro outra explicação para esse jardim metido casa adentro, ainda que ela não acrescente nada ao que vim contar aqui neste evento. Aliás, por que foi mesmo que comecei a falar dessas coisas?

AILTON AUGUSTO é natural de Juiz de Fora/MG. Desde 2007 é aluno regular do curso de Letras da Universidade Federal de Juiz de Fora, onde concentra seus estudos em literaturas de língua portuguesa e língua espanhola. É escritor amador, com textos dispersos entre os blogs Um Eterno Brainstorm” e Verdades Provisórias”. Junto com outros dois amigos, atua como editor da Revista Encontro Literário (ISSN 2237-9401). Mantém uma escrivaninha no site Recanto das Letras.




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O Marido Perfeito


Por Ana Bailune
         Amélia limpa as mãos no avental, pega a forma com massa de bolo que acaba de preparar e inclina-se, abrindo a porta do forno. O vapor quente faz aumentar as gotículas de suor em sua testa. Enquanto espera o bolo para a sobremesa ficar pronto, descasca alguns legumes para o jantar. Lá fora, as crianças brincam, e Amélia se lembra de que ainda precisa arrumar os uniformes para a manhã seguinte. Precisa apressar-se, pois dentro em breve Jece chegará em casa, e ela nem sequer pôs a mesa para o jantar. 
         Enquanto vai realizando suas tarefas, ela se lembra da conversa que tivera com as amigas pela manhã, enquanto faziam compras no mercado, antes de ir para o trabalho. Uma de suas amigas reclamava do marido beberrão, a outra, que não fazia sexo há quase um mês. Amélia suspira fundo e dá graças a Deus, pois tem o marido perfeito: não bebe, não fuma e não tem qualquer tipo de vício. Não deixa faltar nada para as crianças, bota comida em casa, não é violento, e cumpre com suas obrigações conjugais uma vez por semana. Bem, de forma meio-automática, ou seja, "eu-forneço-o- brinquedo- e-você-se-diverte, se puder," mas pelo menos, nem isso lhe falta. 
         Logo ouve o barulho do carro, e o familiar ranger do portão se abrindo. Tira o avental e corre para a porta, a fim de recepcionar o marido. Mas Jece mostra-se mal-humorado e reage apenas automaticamente ao seu beijo de boas-vindas. Senta-se no sofá e liga a TV. Amélia põe as crianças para tomar banho antes do jantar, e desliga o forno, colocando o bolo para esfriar sobre a pia.
         Enquanto prepara a cobertura de chocolate, o movimento elíptico da colher na calda marrom-escura a faz entrar em transe. Logo, seus pensamentos a conduzem por lugares que não gostaria de ir. Lembra-se das muitas vezes em que, durante certas crises, o marido prometera que iriam contratar alguém para ajudá-la no serviço de casa, nunca cumprindo a promessa. Ou que fariam a tão sonhada viagem, a mesma que ele vinha lhe prometendo há anos, mas sempre surgiam outras prioridades, como trocar o carro, comprar uma TV de quarenta e duas polegadas para assistir a Copa do Mundo ou reformar a casa. 
         Lembra-se das vezes em que ele liga do escritório na última hora, dizendo que vai chegar tarde em casa, e que no dia seguinte, ela sente cheiros estranhos nas suas camisas, quando as coloca na máquina de lavar.
         Na sala de estar, Jece parece assistir TV, mas pensa sobre a nova secretária que anda se insinuando para ele. Tenta decidir se terá ou não um caso com ela, ou se continuará saindo com a garota do departamento pessoal. Ter casos não era um problema para ele, pois sabia administrá-los muito bem, de maneira que Amélia nunca tinha descoberto nenhum deles. Sabia conduzir a coisa com tanta maestria, que a esposa não só conhecia, como dava-se muito bem com todas as suas amantes. Elas até lhe serviam xícaras de café quando ela ia visitá-lo no escritório. No fundo, Jece achava-se com esse direito, já que era o marido perfeito: comia fora, mas também comia em casa, a fim de agradar a patroa, mesmo quando não estava com fome.
         Na cozinha, o ressentimento de Amélia começa a engrossar e ferver, junto com a calda de chocolate, e finalmente, transborda. Ela apaga o fogo, jogando a lava fumegante sobre o bolo. Respira fundo, gritando: "Já vou servir o jantar!"
         Quando põe o último prato sobre a mesa, as crianças já estão sentadas. Jece surge, já de pijamas, arrastando seus chinelos sobre o piso encerado. Começam a comer, e Amélia, já de volta de seu transe, ajuda todos a fazer seus pratos, sendo a última a servir-se. Conversam animadamente sobre as coisas do dia. 
         Lá fora, na casa logo em frente, que estivera vazia durante vários meses, há movimento: um novo vizinho acaba de mudar-se. É alto, forte, bonito, sedutor e solteiro. Procura pela mulher de sua vida.
         O vento sopra forte, e o destino entra sorrateiro pela janela da sala de jantar.

ANA BAILUNE é professora de Inglês, graduada em Complementação Pedagógica pela Universidade Católica de Petrópolis. É autora de “Vai Ficar Tudo Bem“, livro de poemas lançado em março de 2012 pela editora Pimenta Malagueta. Obteve o segundo lugar em um concurso de poesias de sua cidade com o poema “Fantasmas“ e o primeiro lugar em concurso promovido pelo Silogeu Petropolitano com o poema “Somos Irmãos“. Atualmente mantém os sites "Liberdade de Expressão""Lado do Avesso" e uma escrivaninha no site Recanto das Letras.



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Meus Dois Amores


Por Béti Mecking
         Ambos compareceram. Tenho vontade de dar uma risada, mas me contenho. Deveria? Poderia? Os dois, cada um num canto, mais ou menos contritos.
         O alemão conversa com um amigo, parece que mantém um papo sério. Seus olhos às vezes se dispersam, navegando pelo ambiente. Tem os olhos de um azul claro, luminosos. Lembro-me bem dos nossos fins de semana juntos, nossos passeios à beira da praia, o dia em que resolvi pegar a sua mão. Fez que não percebeu, continuamos assim, até que eu a larguei. Um teste, de fato, para ver como reagiria. Esperou que eu tirasse o cabelo da testa e então, rápido e certeiro, caçou a minha mão. A partir daquele dia, aprofundamos o relacionamento. Foram dois anos de muito carinho, de uma fértil troca de idéias. Mas, depois...
         Meu último amor está encostado à porta, não sorri como costuma fazer, aquele riso fácil e espontâneo que sempre lhe permite granjear simpatias. Postou-se ali, já faz algum tempo que chegou, lembro-me daqueles garotos da minha juventude, que (dizíamos) seguravam as paredes, sustentavam os pilares do salão, enquanto nós os mirávamos de longe, ansiosas para que se decidissem a bailar. Não sei por que me lembrei agora, mas vieram-me à memória aqueles jovens de antigamente. Convenhamos, isso já faz tempo! Encontramo-nos mais recentemente, ele convidou-me a dançar, continuamos entrelaçando os corpos toda vez que nos víamos na boate, até o dia em que não mais quisemos separar-nos.
         Meu olhar vagueia pelas pessoas que estão presentes, pessoas que aprecio, por quem nutro um maior ou menor afeto. Prefiro não me fixar nos meus filhos, Letícia com sua barriga protuberante, logo terá a sua menina, Marcelo com os olhos inchados, abraçando a avó. Não, melhor deixá-los viver a sua própria vida, meus votos são de que se realizem, que saibam curtir cada instante de suas vidas.
         O padre pronuncia algumas palavras. Silêncio na sala apinhada. Estou contente por ver que tanta gente veio, largando os seus afazeres. Os dois ainda estão firmes. Alguém diz, com uma voz surda:
         — Chegou o momento.
         Uma sensação estranha me possui, quando vejo uns homens se aproximarem e fecharem o caixão. Não deixa de ser esquisito perceber que o nosso corpo, enclausurado, nunca mais verá a luz do dia.

BÉTI MECKING (Maria Beatriz Costa Mecking) nasceu em Pelotas, Rio Grande do Sul. Professora de francês e literatura, aposentou-se pela Universidade Federal de Pelotas. Tem publicados os livros de contos "Tempo de Renascer" (Livraria Café – Pelotas, 1997) e "Histórias do Cotidiano" (Livraria Café/ Mundial - Pelotas, 2001), também a novela "Os passos de Júlia" (Ed. Alternativa - Porto Alegre, 2008). Mantém uma escrivaninha no site Recanto de Letras.

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Noite Vermelha


Por Dolce Vita
         Leia a carta. E antes de supor que eu esteja louco, acredite neste velho amigo que diz apenas a verdade. Ainda não sei como explicar os acontecimentos da semana passada. Desde a madrugada da última quarta-feira, mal consigo pregar os olhos. Naquela noite, depois do jantar, como de costume, bebi um cálice de vinho do Porto. E iniciei mais um capítulo do meu livro. Por detestar as modernas máquinas de escrever, usei a caneta tinteiro que era de meu pai. Logo na primeira frase — ­por incrível que pareça, escrevia sobre as facadas que o assassino desferira em sua vítima ­—, a tinta azul se transformou em vermelha. Racional, como sempre fui, verifiquei o tinteiro, seguro de que encontraria tinta vermelha dentro dele, mas a cor era azul. Em seguida, quebrei a caneta num movimento tão brusco que feri minha mão. O sangue se misturou à tinta. E só então percebi que não havia tinta alguma. Era apenas sangue que jorrava da minha antiga caneta.

DOLCE VITA é psicóloga clínica, paulistana, dividida entre duas paixões: a palavra e a imagem. O pseudônimo é fruto da paixão pela Sétima Arte. Suas histórias nascem, muitas vezes, inspiradas em ilustrações. Em 2011, sete contos minimalistas de sua autoria foram publicados no livro "Mundo Mundano e seu novo mundo". Há três anos e meio escreve em seu site literário Tela de Letras.


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Distraído


Por Helena Frenzel
         Há tempos eu vinha cansado, ela sabia. Era final de sábado e voltávamos das compras do mês. Ajudando a guardar os artigos, lembrei daquilo que Zé Oliveira, bom amigo, me propôs: “Se você quiser, aproe aqui que eu não cobro, eu tenho sempre lugar pra ficar por lá”.
         Ele morava na cidade em que eu trabalhava e eu, na capital em que ele vinha trabalhar. Eu ía e vinha todos os dias; ele, só quando em vez. De fato, minha casa era a estrada e a essa conclusão só cheguei muito depois.
         Cem quilômetros por dia, ida e volta, eu já nem sabia como sabia a comida de casa, acho que ela também não. Eu chegava à noite, acabado, e ela já estava sob os lençóis; eu tomava banho e ia deitar.
         De manhã cedo, às cinco, tudo de novo: acorda e levanta, se lava, faz o café, a barba, se lava, come e lava a louça, se lava, se veste e pega a pasta, espera em frente ao portão. E ela dormia um pouco mais porque entrava só às onze.
         Um dia sou eu, no outro é o Dico, outro amigo muito bom. Ontem foi ele quem dirigiu. Moramos no mesmo condomínio, trabalhamos na mesma firma e esse emprego foi ele quem me arrumou. Antes eu só havia feito bicos, agora a coisa ia bem melhor.
         “Com esses frascos aí, muito cuidado! Lá no banheiro com o material fotográfico, cada qual em seu lugar, ouviu?”. Voltei do transe a tempo de ouvir o final da instrução; sempre fui distraído e arrumar compras é muito chato mas ajudo para não ouví-la reclamar.
         Primeiro compramos a casa e os móveis, o carro veio depois. Estamos pagando tudo em suadas prestações. Ela também trabalha e a repartição pôs-lhe um carro à roda, ela assessora políticos da capital — vaga que Oliveira arrumou, para nossa sorte, pois que assessores ganham muito bem e ele conhece muita gente ‘forte’. Oliveira é político de nascimento e leva muito bem a vida ensinado aos outros o seu dom.
         Uma vez no banheiro, larguei os frascos, tomei uma ducha. Estávamos já na cama quando algo me surpreendeu:  “Como foi seu dia?”, há tempos ela não me perguntava nada. “Bom, e o seu?”, respondi com sincero interesse. “Normal” — e essa resposta me deixou sem saber como continuar. Justo neste momento entrou o Manuel Pelota e eu me distraí falando com ele, combinando o futebol de domingo. “Está bom então, teclamos mais tarde, beijos”, ela disse. “Beijos”, respondi.
         Bem mais tarde vi quando ela saiu da rede, pôs o celular na cabeceira sem desligá-lo, virou para o lado e dormiu. Eu fiquei mais um pouco, teclando com o Dico, que já estava para sair do espaço quando me viu e me chamou. Depois de ter checado meu e-mail, pus o meu também ao lado, ativo, desliguei a luz e apaguei.
         Na segunda-feira tive um dia de trabalho cheio, cheguei em casa louco para descansar. Naquela noite, ao tomar banho, esfreguei o corpo com xampu e lavei o cabelo com sabonete. Lembrei da proposta de Oliveira: Sim, amanhã eu levaria uma mala porque cem quilômetros por dia, ida e volta, não era mole não!
         De banho tomado, pus o pijama e fiz menção de ir deitar-me. E ela já, sob os lençóis. Então lembrei-me de algo. Voltei ao banheiro e ao automático: escovar os dentes, bochechar.
         Por fim tomei do frasco com veneno em vez do frasco com loção bucal. Se troquei ou se trocaram, disso eu nunca vou saber, a polícia tinha por dado que fora caso de distração.
         E no meu funeral, vi tudo muito claro: “Cada qual em seu lugar”— Oliveira e Dico, ela no meio, eu no caixão.
         Distraído, eu jamais havia notado que as vestes bem moldavam-lhe as formas e como o preto lhe caía bem.

HELENA FRENZEL é maranhense, autora-editora de vários Ebooks gratuitos, entre eles, as coletâneas de contos “Perfis Interessantes”“Trinta Contos de Euros e Três de Natal” e “Outros Quinze Contos”. Mantém os sites 15 Contos+Bluemaedel”, “Sem Vergonha de Contar” e uma escrivaninha no site Recanto das Letras.




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O Brinde


Por José Neres
         A bem da verdade, é preciso dizer: meu pai nunca deixou que nos faltasse comida. Sempre tivemos até mais que o necessário para uma vida confortável. O que nosso pai não nos dava em palavras, afagos e carinhos, ele nos dava em comida e sorrisos. Não consigo me lembrar da voz dele. Não consigo esquecer seu sorriso meigo de dentes perfeitos. Falava pouco. Sorria o suficiente para encantar com seu silêncio.
         “Pai, tô com fome!”. Era a frase que ele mais ouvia dos filhos. Três ao todo: eu, minha irmã e meu irmão mais velho. Nosso pai nada falava. Sorria. Ia à geladeira e preparava algo bem gostoso para todos. Comíamos e bebíamos felizes.
         Mas isso foi antes da grande crise.
         A grande crise chegou e abalou a todos. Papai se esforçava ao máximo para manter a casa. Mamãe, sempre alheia a tudo, começou a perceber que a despensa ia ficando vazia. Ela falava menos que papai, com o defeito de nunca sorrir. Mas da voz dela eu me lembro. Era voz de sofrimento.
         A frase continuava a mesma: “Pai, tô com fome”. A comida vinha em quantidade menor, mas sempre vinha. A diferença era que papai já não nos acompanhava durante as refeições. Depois mamãe também parou de sentar-se à mesa conosco. A crise aumentava. Mas era diminuída pelo sorriso de meu pai.
         A geladeira estava vazia, mas a fome continuava. Papai, com o olhar, chamou mamãe para a cozinha. Ouvimos o choro dela. Sentido. Distante. Mas minutos depois esquecemos tudo com a visão de um belo bife, bem passado. Papai parou de aparecer para nós. Vez ou outra, apenas botava a cabeça para fora pela porta da cozinha e dava um sorriso. Mas agora era um sorriso triste, dolorido.
         A carne servida não deixava que sentíssemos a ausência de nosso pai. Um dia nossa mãe nos serviu apenas uma sopa com pouca carne e muito osso. Reclamamos. Ameaçamos chamar papai para resolver o problema. Queríamos carne. Estávamos acostumados era com carne, não com osso. Mamãe suspirou fundo e foi para a cozinha.
         “Filhos... Venham cá!” A frase imperativa, mas quase inaudível, vinha de uma voz já quase esquecida. Nosso pai, depois de muito tempo, falava de novo. Entramos alegres na cozinha e paramos de súbito. Sentado em uma cadeira perto do fogão estava papai. Ou melhor, o que restava dele. Apenas a cabeça se mexia, lentamente. O pulmão e o coração eram visíveis através do esqueleto que teve quase toda a sua carne cortada, congelada, frita, assada, cozida...
         Ele não precisou dizer mais nada. Compreendemos tudo. De seus lábios tristes brotou um sorriso. O último sorriso que ele dividiu conosco. Mamãe pegou uma taça de cristal. A última que restava e levou-a até a cabeça de papai. As lágrimas dos dois se misturaram e gotejaram na taça. Ele olhou para nós, triste, mas com a satisfação estampada no rosto. Mamãe, fez um gesto de brinde em direção ao esqueleto de papai, para si própria e depois em nossa direção. Abriu a geladeira e ali guardou para sempre as lágrimas dos dois.
         Voltamos para a sala e nunca mais reclamamos da sopa de ossos que nos mantinha vivos.

JOSÉ NERES é professor, tradutor e escritor. É graduado em Letras (UFMA), especialista em Literatura Brasileira (PUC-MG) e mestre em Educação (UCB). Autor de diversos livros, entre eles, "Negra Rosa & Outros Poemas", "50 Pequenas Traições""Restos de Vidas Perdidas" "Estratégias para Matar um Leitor em Formação". Atualmente é professor da Faculdade Atenas Maranhense (FAMA) e da Faculdade Pitágoras. Mantém uma escrivaninha no site Recanto das Letras.


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A Velha Casa


Por Marcio Rutes
         Alguns trancos foram necessários para abrir aquela porta, emperrada pelos tantos anos de abandono. Poucos passos levaram-no até a janela, que também rija pela ferrugem das dobradiças, insistia em não ceder. Um esforço maior se fez necessário, e minutos depois, a claridade e o vento vazavam para dentro daquele quarto. A poeira, assentada como um manto denso sobre os velhos móveis, fez um rebuliço pelo ar e cobriu o inusitado visitante.
         Instantes de silêncio foram transformados em décadas de recordações, e um turbilhão de imagens ancorou na cabeça daquele homem. Muitos foram os motivos que mantiveram-no afastado daquele lugar, mas ele ainda lembrava de cada centímetro de sua infância exatamente ali, brincando no chão daquele quarto agora abandonado ao pó.
         A cama, depois de tanto tempo, ainda estava arrumada como fora deixada no dia da partida, e o que parecia ser apenas trapo agora, um dia foi o manto que cobriu seus pais naquele leito. Talvez ele tivesse sido concebido ali, exatamente naquilo que agora não passava de um depósito de traças. Uma cama que foi o ninho de um casal que se amava, mas que também foi o último descanso físico de ambos. Tanto um quanto o outro sucumbiram às doenças da velhice ali, e ele os viu partir. O soluço sinalizou para as lágrimas, o que o fez continuar sua caminhada pela casa.
         Estava agora em seu antigo quarto. Um aperto tomou seu peito ao encontrar partes de seus velhos brinquedos. O kit de construção que o pai presenteara, esquecido na pressa da mudança, ou quem sabe abandonado propositalmente, jazia num canto. Possivelmente o gosto pela engenharia teria vindo dele, mas o que importava isso agora? O romantismo da brincadeira não se compara à responsabilidade do trabalho verdadeiro. Estranhamente, lembrava mais de ter usado aquelas ferramentas para destruir do que construir.
         A marcenaria do pai, no porão, parecia sequer ter sofrido a ação do tempo. Daquele lugar, saiu todo o dinheiro que, por anos a fio, sustentou honestamente uma família inteira. Na bancada ainda estavam os formões que o pai tanto estimava. Ele era um artista, mas vivia bronqueando. “Meu filho, por que essa ânsia em desmontar as coisas? Aprenda a restaurar ou apenas construir. A satisfação é sempre maior quando criamos, mantemos ou recuperamos algo”, dizia o velho pai sempre que o via quebrando ou desmontando algo. Assim a saudade veio, e fez com que seguisse seu passeio pela casa.
         O ateliê de costura da mãe. O preço para cada passo até ali seria uma lágrima escorrida. O peito reclamou, fazendo o coração retumbar forte e saltitar. Era o ambiente mais conservado, e ele agora lembrava de ter mandado vedar cada entrada de ar para aquele local. Algumas aranhas não respeitaram tal determinação, e espalharam suas teias, mas nada que comprometesse qualquer das máquinas ali presentes. Com carinho, ele afagou cada item, lembrando dos tantos momentos bons no colo da mãe, que invariavelmente largava o que fazia para ampará-lo, fosse pelo que fosse.
         E assim ele caminhou por todo o lugar. Sala, cozinha, sótão, garagem, e também pelo que parecia ter sido o jardim. E foi lá que se encontrou com um grupo de homens trajando macacões e capacetes:
         — Por que demoraram tanto? — ele perguntou, nitidamente impaciente — Estou aqui há mais de duas horas, e não suporto esperar. Derrubem tudo. Uma casa nova e espaçosa, onde eu possa construir minha vida e a de minha família, me espera.
         Os homens não esperaram muito, e se espalharam pelo local. Marretas e serras iniciaram o barulho daquilo que significaria o fim de um ciclo, e fariam com que aquele homem rompesse definitivamente com seu passado. Ele ficou ali, parado e olhando, e diante de seus olhos, as palavras de seu velho pai pareceram tomar forma:
“Aprenda a restaurar ou apenas construir. A satisfação é sempre maior quando criamos, mantemos ou recuperamos algo.”
         Ele balançou a cabeça negativamente, e foi para seu automóvel. Por mais que a casa nova e moderna fosse seu sonho atual, os sonhos antigos ainda moravam nele, e não ficaria ali para ver tombar suas raízes.
         Quarenta anos depois, ele estava à beira da morte, em seu leito. Ao seu lado, seu único filho segurava sua mão, sabendo do fim iminente que logo viria. Numa estante ao lado da cama, um kit de construção muito antigo ocupava lugar de destaque, praticamente exposto a todos que entrassem naquele quarto. O filho, restaurador de objetos e móveis antigos, chorava enquanto o pai proferia com algum esforço suas últimas palavras:
         — Cuide bem dessa casa, meu filho. Ela, com certeza, me trará a você sempre que precisar. Este é e sempre será o seu lar, e o meu também.
         A velha casa sobreviveu. Ele aprendeu, no último instante antes de derrubá-la, que alguns laços são eternos. Não fez isso pela construção, mas sim pelo amor que nutria por seus sonhos e por tudo aquilo que o fez ser quem era. E pela primeira vez, ele não desmontou ou destruiu coisa alguma, apenas manteve intacto algo que fazia bem a alguém: a si mesmo.

MARCIO RUTES é curitibano, cronista e escreve para jornais desde 1986. No mercado editorial atuou como pré-revisor, diagramador e ghost writer, além de desenvolvedor de conteúdo para a Web. Utiliza os pseudônimos Marcio D’Antonio e Marcio JR. É autor da coletânea de crônicas “Abismo das Vaidades” lançado pela editora PERSE em 2012. Mantém o site “De Prosa Pro Vento” onde vem publicando contos, fábulas e outros gêneros.

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O Piano


Por Marcos Fábio Belo Matos
         Todos os domingos eu ia religiosamente à igreja. Mas não ia pra orar nem pra louvar ao Senhor nem nada dessas coisas de palavra de Deus, não. Eu ia era pra ver ela tocar piano. Ela era uma visão do céu, parecida com aquelas imagens de anjo que eu via no meu livro de catecismo, quando era guri. E a música que ela tirava do piano era maravilhosa.
         Eu chegava cedo na igreja e me sentava bem na frente de onde o piano ficava, esperando a hora dela chegar. Ela entrava, normalmente, uma meia hora antes, para passar as músicas. Trazia um caderninho, que um dia eu vi cheio de uns sinais estranhos, deviam ser as notas musicais que ela tocava. Sentava no banquinho, abria o piano, botava o caderninho numa espécie de prateleirinha, onde ele ficava penduradinho e dando exatamente para ela ver os sinais e tocar por eles. Tocava sem acompanhamento. Era uma igreja tradicional, muito silenciosa. Nada daqueles cultos cheios de guitarra, bateria, baixo que mais parecem um show de rock, com um pessoal tocando e cantando histericamente. O pastor tocava violino, de vez em quando, fazendo dueto com ela no piano — uma maravilha!
         Verde, vermelho, amarelo, azul, lilás...Ela variava muito a cor do vestido. Mas sempre usava vestido, nunca calça nem saia nem outro tipo de roupa. Sempre vestido. Não devia ser norma da igreja, não, porque via muitas meninas lá de blusinha, jeans justinho, até de decote. Talvez fosse pelo fato dela tocar o piano, e o piano impor uma certa postura mais clássica, sei lá. Só sei que eu adorava quando aqueles vestidos entravam na nave da igreja, sentavam e dedilhavam uma música celestial, invadindo meus ouvidos e tomando conta do meu cérebro inteiro.
         Na primeira vez, entrei na igreja por acaso. Tava em casa sem nada pra fazer, aí fui dar um passeio. Quando passava na frente do prédio, ouvi a música. Fiquei curioso, era uma música tão suave, tão diferente...Entrei e dei com ela passando os hinos, quase ninguém ainda tinha chegado. Sentei na frente dela e fiquei de olhar fixo nos dedos que deslizavam pelo piano. Nem piscava. Acho que ela percebeu, pois me olhou depois de ter passado as músicas e fez um cumprimento muito sutil, acenando com a cabeça e dando um risinho mínimo, mas eu percebi.
         Fui muitas vezes à igreja, sempre na esperança de que ela nunca faltasse. E ela nunca faltou enquanto eu morei na cidade, vários anos. Mas um dia eu voltei lá pra rever uns parentes, fui ao culto e não encontrei mais ela. Não quis perguntar nada, porque não conhecia ninguém na igreja, frequentei todos aqueles anos como um desconhecido e ninguém se importou de saber nem o meu nome. Melhor assim. O piano ainda estava lá, mas só de decoração, nenhum som. Agora tem um cara tocando violão, ainda bem que não é uma daquelas bandas que ficam se esgoelando pra ver se Jesus ouve lá do céu. O pastor também mudou, agora é um mais novinho. Assisti só a metade do culto e fui embora antes de tirarem a oferta.

MARCOS FÁBIO BELO MATOS é maranhense de Bacabal, membro da Academia Bacabalense de Letras. É jornalista e professor do Curso de Jornalismo da UFMA-Imperatriz. É graduado em Comunicação Social (Jornalismo), licenciado em Língua Portuguesa, especialista em Língua Portuguesa, mestre em Comunicação e Cultura e doutor em Linguística e Língua Portuguesa. É autor de “O Homem que derreteu e outros contos” (1997), “Cotidiano Cinza” (2005) e “Crônicas de Menino” (2006), além de outros livros na área científica. Mantém uma escrivaninha no site Recanto das Letras.




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Barba por Fazer


Por Maria Olímpia Alves de Melo
         Passou perto de mim e sem parar disse-me: você está com a barba por fazer. Nada respondi. Nem mesmo me mexi. Fiquei onde estava, pensando. Lá de dentro veio sua voz, quebrando o silêncio com um grito: — Ei, estamos atrasados. Se você não vier fazer a barba não chegaremos a tempo. Fazia anos que estávamos juntos. Muitos anos. Tempo suficiente para que eu me cansasse. Sim, o cansaço era imenso. Dia após dia, noite após noite era a mesma ladainha. Puxa, hoje você não fez a barba! Por que não fez a barba ainda? Sempre em silêncio eu ia para o banheiro e fazia a barba. Silenciosamente. Duas a três vezes ao dia para que o meu rosto ficasse lisinho como de um bebê. Mas hoje eu não estava com vontade de obedecer. Abri silenciosamente a porta da sala e nem ao menos fechei. Sai andando calmamente pelo corredor, como estava: a barba por fazer. Entrei no elevador e vi que as pessoas me olhavam com o rabo do olho. Sim, minha barba estava realmente grande, desde ontem eu não a fizera. Mas, não me importei que me olhassem. Na verdade levantei bem a cabeça para que meu rosto barbado ficasse visível para todos. Pus até um sorriso nos lábios e fechei os olhos para que as pessoas ficassem mais à vontade, observando. Eu sou assim, não gosto de ver pessoas constrangidas. Quando o elevador parou no térreo tive que abrir os olhos para sair caminhando até a rua. Peguei um taxi e o motorista me olhou assustado. Dei o endereço e ele pareceu compreender. Recostei-me no banco traseiro e sonhei com a nova vida que estava planejando para mim. Passei a mão pelo rosto acariciando os pelos hirsutos e perguntando aos meus botões: será que ela ficaria com tamanho suficiente para que eu me apresentasse na sessão do próximo sábado? Fiquei imaginando que sim, pois ela sempre cresceu muito rapidamente. Minha ansiedade para recomeçar a vida que deixara há alguns anos era muito grande. Quando o táxi parou, rapidamente paguei dizendo: fique com o troco. Saí e parei em frente ao imenso cartaz, com meu rosto de anos perdidos e o anúncio bem grande: Não percam, sábado, a volta da Mulher Barbada!

MARIA OLÍMPIA ALVES DE MELO é natural de Arantina e reside em Lavras, Minas Gerais. Educadora, graduada em Filosofia, cultiva vários gêneros e publica seus escritos basicamente na Internet. Praticamente inédita suas publicações estão em jornais e revistas literárias, livros didáticos, antologias e publicações da Academia Lavrense de Letras. Mantém uma escrivaninha no site Recanto das Letras.


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O Catador de Sonhos


Por Marina Alves Gontijo
         Donga: é assim que sempre o chamaram. Nunca teve papel, documento, essas coisas que todo mundo tem. Analfabeto, criou-se na rua. Sobrevivente das pequenas migalhas recebidas nas casas, roupas e calçados usados, restos de comida às portas dos restaurantes, Donga cresceu cercado pela generosidade dos restos do mundo.
         Já rapazinho, tinha alguma força. Davam-lhe ferramentas para a capina e limpeza de lotes e quintais. Em troca, alguns trocados. Moedas que lhe serviam para algumas delícias: picolé, pipoca na praça, maçã do amor nas noites de quermesse e, vez ou outra, até o luxo de uma matinê quando tinha circo na cidade.
         Donga não sofria, nem tinha cara de triste. Muito pelo contrário. Sempre foi de rir e brincar com todo mundo. Ganhou até fama de divertido por sempre alegrar as rodas de conversa em que chegava. Também nunca foi de reclamar. Cresceu aprendendo a se virar com as pequenas coisas de cada dia.
         Um dia ele soube da novidade: catar coisas na rua podia render um bom dinheiro. Donga era criativo. Inventou uma geringonça meio maluca que lhe servia para carregar o que juntava. Era algo que gostava, dava-lhe a sensação de liberdade: andar o dia inteiro atrás de garrafas, ferro, papelão e toda sorte de velharias que as pessoas não queriam mais.
         Donga se sentiu feliz com o novo trabalho. Agora só lhe faltava mesmo uma casa. Não que o banco da praça não lhe fosse confortável. Nunca tinha se incomodado com a dureza e o frio da “cama” sob o teto de estrelas. O problema é que a cidade tinha crescido muito e dormir na rua era correr riscos de morte.
         Sendo assim, Donga decidiu: teria sua casinha. Cercou de paus um quadradinho de mato, às margens da rodovia de acesso à cidade. O resto foi moleza. Para um catador isso era questão de menos. Escolheu as melhores chapas de lata, os restos mais resistentes de uma marcenaria, os plásticos mais duráveis, e pronto! A casa ficou linda! Tinha porta, janela e até divisão de quarto e cozinha.
         Donga não cabia em si de contente. Sua casa não era um primor? Animado, cortou o mato em volta, deixou um pequeno terreiro limpinho. E uma lata plantada com cebolinha não ia bem? Achou que sim, mesmo porque tinha feito uma pequena fornalha movida a serragem e pretendia cozinhar.
         Uma onda de entusiasmo tomou conta do catador. Seus ávidos olhos agora perseguiam tudo o que pudesse servir para a montagem de seu novo lar. E que inestimáveis tesouros continha o lixo desprezado às portas: vasilhames de cozinha, vasos para enfeites, caixas preciosas, e quem diria... Até quadros para as paredes.
         Em pouco, a casa de Donga tinha tudo que pudesse querer. Sobre o telhado, colocou uma Bandeira do Brasil capturada num final de jogo da Copa. Ah, que lindeza aquele verde e amarelo tremulando ao vento! Atrás da casa pendurou um cordão para secar as roupas lavadas no córrego, ali perto. Por fim, guarneceu a porta de entrada (que também era a única) com mudas de roseiras, amarelas, restos de uma poda de jardim que trouxera lá do Seixas. Ah, que felicidade, o lar tão bonito!
         Ao voltar do trabalho, Donga sempre parava um pouquinho lá na curva da estrada de onde podia ter uma visão completa de sua moradia. Que lugar bonito ele tinha preparado! As pessoas que passavam de carro por ali, deviam mesmo ficar espantadas com casinha tão alegre. Era bem capaz que ficassem curiosas para conhecer seu feliz morador... Com certeza haveriam de querer até estar no lugar dele...
         Foi por isso que Donga tomou a última providência: pendurou na cerquinha de entrada, disfarçado entre a parreira de chuchu, um pequenino chifre de boi. O povo dizia que era bom para afastar inveja. E ele não queria correr o risco de ver sua vida desandar. Afinal não era comum se encontrar por aí, pessoas como ele, com tanta sorte!

MARINA ALVES GONTIJO é natural de Lagoa da Prata, MG. Escritora, poetisa, autora do livro de contos “Sombras e Assombrações” (2007). Formada em Pedagogia, pós-graduada em Psicopedagogia. É membro da ACADELP- Academia Lagopratense de Letras; colunista do jornal INFORMAÇÃO. Conta com trabalhos publicados na revista AMAE Educando, em coletâneas, antologias, e jornais locais. Mantém uma escrivaninha no site Recanto das Letras.


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Pode me Chamar de Motorista


Por Mário Jacoud
— Boa noite, doutor.
Carlos, o motorista, abriu a porta traseira do carro e Doutor Jorge entrou. Nem respondeu ao cumprimento. "O que essa gente pensa? Que pobre não precisa de boa noite? Que, do lado de cá, todos os dias são iguais, ou seja: sempre péssimos? Esse aí deve achar que nem adianta desejar boa noite e, além disso, nem me reconheceu. Eu o conheço: tem um cargo na diretoria da empresa só porque é genro do presidente da companhia. Faz um ano, levei ao aeroporto, atrasado, pediu pressa, corri o que pude para chegar a tempo, disse que ia me recomendar na firma. Nada, nem se lembra de mim."
— Para minha residência.
"Outra vez? Uma falta do meu motorista e a empresa manda o mesmo chato do ano passado... Será que não tem outro substituto na firma? Lembro que pedi pressa, correu feito louco até o aeroporto, reclamei com o responsável, mas, pelo visto, não tomou conhecimento. Exigirei providências."
— Sim, senhor.
"Eu sei onde ele mora. Peguei o endereço antes de sair. Que casa! O sogro deu como presente de casamento, mas, pelo que se comenta, vai ter que mudar logo. Dizem que as coisas não andam bem com a mulher... Detesto quando toca o celular do passageiro, por mais que eu não queira acabo prestando atenção na conversa, acabo distraindo."
— Alô... sim... chegarei logo... calma... pense mais um pouco...
"O que ela quer? Trabalho muito, faço tudo que posso, dou toda atenção possível. Jura que me ama, mas diz que assim não dá para continuar. Como pode? Será que ama mesmo? De minha parte o amor ainda é o mesmo. Sei que falam que casei pelo dinheiro, pelo emprego. Mentira! Por amor, foi por amor! Maldito retrovisor, o motorista parece que não tira os olhos de mim, tentando adivinhar... "
— Com licença, doutor...
"Pronto! Lá vou eu tentando conversar de novo, mas não posso evitar, sou assim, que posso fazer?"
— Problemas em casa, com a patroa, não?
"Acho que fui longe demais. Não respondeu, vá lá."
— Sabe, doutor, em casa também é assim. Para ela nada está bom, parece que sempre falta alguma coisa. E isso me incomoda. Ela já quis separar, eu também. Pensei bem e fiz umas continhas... Assim, ó: todos temos qualidades e defeitos, e as qualidades devem superar os defeitos, nem que seja um pouquinho, cinquenta e um a quarenta e nove por cento. Se ela for boa para mim durante metade do dia, tudo bem. Durmo oito horas, o trabalho me ocupa por mais dez horas, sobram seis horas. Então? Por mais que ela queira brigar, jamais vai estragar metade do meu dia.
"Será que entendeu? Esses desse tipo... parece que quanto mais estudam mais burros ficam."
— Em nome do amor, doutor, faço o impossível para compreendê-la por seis horas, só seis horas.
— É mesmo?
"Só me faltava essa, filosofia de motorista. Após um dia cheio, tantas reuniões infrutíferas, a caminho de mais uma briga em casa, quem sabe até separação... O sujeito tem um pensamento simples demais... vinte e quatro horas, ocupado dezoito, é só suportar mais seis... Bem, às vezes, a solução do problema está no mais simples."
— Como é o seu nome?
"Carlos, como eu podia lembrar? Esses caras de uniforme parecem todos iguais. Quero ver como se sai dessa, agora."
— Pois é, Carlos, digamos que, nessas seis horas que você passa com sua mulher, ela atazana tanto, mas tanto, que as seis passam a contar por doze, treze horas, ou uma eternidade? Como você faz?
”Peguei... "
— Doutor, vou falar o que penso, se não concordar me desculpe. Acho que as mulheres são assim como seres especiais, bem diferentes de nós, humanos. Agem e pensam de outra maneira. Quer um exemplo? Se a sua mulher telefonar, durante seu trabalho e não falar nada importante, o senhor vai ficar irritado, vai dizer para ela não fazer mais isso, que está ocupado, etc. Ora, ela deixou seus afazeres para que? Para irritá-lo? Não, doutor, ela quer ouvir sua voz, fazendo isso ela está dizendo que o ama, e sua voz, mesmo não dizendo nada, tem que mostrar que a ama também. Simples e fácil. O telefonema que o senhor recebeu agora há pouco é um exemplo. Se fosse o senhor a ligar e dissesse que estava a caminho de casa e com saudade, com certeza não teria briga por hoje, não acha? E olha que o senhor tem um celular...
— Simples e fácil, ora.
"Motorista, matemático, psicólogo, filósofo, metido."
— Você pensa que tem solução para todos os problemas de relacionamento entre casais? Um motorista! Responda, então, a pergunta que fiz. Se mesmo com o tal telefonema, ela estiver esperando para mais uma batalha verbal, o que você faz?
— O doutor usa paletó para que?
"Deixe ele pensar um pouco, acha que não entendo nada, ele que está complicando, não eu."
— Eu uso também, sou obrigado. Tenho cinco bolsos no meu, acredito que o senhor tenha no seu, não? A diferença entre nós é o que carregamos nos bolsos. Veja nos seus, celular, cigarros, isqueiro, carteira e não sei mais o que. Nada que seja importante para ela. Nos meus tenho um bombom e uma rosa. Todos os dias pego uma flor do jardim da empresa, conto com o doutor para guardar segredo, senão adeus emprego. Ao primeiro sinal de mau humor, estendo a rosa, como um mágico. Se não for suficiente, tenho o bombom, que guardo para uma segunda tentativa, ou para o dia seguinte. Se precisar da terceira tentativa, tenho minha boca, doutor. Não é pela boca que a gente mostra o que tem no peito, na alma? Faço isso sem palavra alguma. Enquanto ela ainda tenta brigar, fico mágico novamente e falo tudo o que quero com um beijo, inesperado, apaixonado. Tudo fácil, simples e barato.
— Pare na próxima esquina, vou seguir caminhando. Como é seu nome mesmo?
— Pode me chamar de motorista, mesmo, doutor.
Carlos estacionou e abriu a porta para Doutor Jorge. Enquanto manobrava o veículo viu o homem falando ao celular e caminhar em direção à floricultura. Carlos, o motorista: solteiro convicto, matemático, psicólogo, filósofo, mágico, metido e mentiroso. Simples e fácil.

MÁRIO JACOUD é economista, nasceu em Guaraçaí – SP, em 1952. Atualmente vive na cidade de São Paulo.

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