quarta-feira, 14 de agosto de 2013

O CHÁ



Por Rodrigo Arcadia

Ele volta da cozinha trazendo a xícara. A fumaça sai, está quente.
Como é bonito Ricardo... Mais jovem do que eu. Joga bem tênis. Não tenho forças para correr atrás da bolinha. Inválida.
— Não diga uma coisa dessas, amor! — Ele disse uma vez.
Meu Ricardo... Vejo bondade, um anjo que entrou na minha vida. Conheci numa festa.
— Lembra de como nos conhecemos?
— Não é hora para isso. Pegue a xícara, beba o chá.
— Está quente, fervendo.
— Sopre. Beba devagar.
Foi no aniversario de uma amiga. Clotilde.
Aproximou-se, como quem não queria nada, falou alguma coisa, não entendi. Repetiu. Prestei atenção nos olhos, amo olhos, sempre amei olhos e os dele eram especiais.
— Meu nome é Ricardo. — Mostrou o sorriso, apareceram os grandes dentes brancos.
Ah... Amoleci, virei gelatina.
Jovem. Sem problema. Meus relacionamentos sempre foram com homens mais novos; o último, três anos de diferença. A voz era nuvem suave e amorosa. Ai, que gostoso!
— Dançar?
— Sim, dançar. Dançar colado, música lenta. Sentir o corpo.
— Adorei. — Confessou.
Queria vê-lo de novo. Também queria. Depois daí começamos tudo.
Sou mulher de muitas posses. Quatro lojas ali, duas fazendas, casas de alugueis, uma no litoral. Tenho boa renda que me sustenta.
— É dona do mundo. E minha dona.
Dona do seu coração...
Muitos não aceitavam. Clotilde era um deles.
— Ele é misterioso.
— Com inveja, querida?
— Imagina! É minha opinião.
Ele me ama.
— Ricardo, você me ama?
— Que bobagem, claro que amo.
É verdade, me ama.
— Beba o chá.
— Enjoada.
— Você não está bem. Beba.
Bebo.
Vai ligar o som.
— Colocarei Chopin. — Avisa.
Sabe que aprecio Chopin. Queria tocar piano. Aprendi as primeiras notas, nunca tive paciência. Clotilde toca, tem dedos leves, morria de inveja mas adorava ouvi-la tocar.
—Toque aquela, querida.
— A Polonesa?
— Esta.
Fechava os olhos, deixando a música fluir na mente.
— Coloque a Polonesa, Ricardo.
Volta. Vê a xícara.
— Ainda não bebeu?
— Não sinto nada, não quero chá na minha frente.
— Precisa, está doente.
— Indisposta, nada de mais.
— Na tua idade uma doença à toa torna-se grave.
— Ah... Preocupado com essa velha?
— Não fale assim, fico triste.
— Desculpa.
Beija na boca. O mesmo beijo de antes, o gosto da primeira vez.
Na varanda, casa de Clotilde, no aniversario. Encostou, os braços na cintura, moveu a cabeça na direção do lábio.
— Pare!
Virei o rosto.
— Nem nos conhecemos profundamente.
— É desnecessário.
Beijo forçado. Tentei combater. Afrouxei. Terminado, encontrei-me voando.
— Toma, amor.
— Enjoada, Ricardo.
— Toma, será o último.
Ando molenga, fraca, com tonturas, não estou normal, as imagens embaçadas. Falo lentamente, recordo do passado, não estou bem.
O enxergo como imagem fora de foco. Abro e fecho os olhos, vulto movendo, falha o raciocínio.
Vulto, algo se movendo, cabeça girando...
Perdida. A música recomeça, não é Chopin. Frank Sinatra.
Aproxima. Vulto. Tenho medo.
— Ricardo, é você?
— Sim, amor. Bebeu o chá?
Pega a xícara. É ele mesmo?
— Está aí, Ricardo?
Sem resposta.
Tonta. Sem raciocínio. Enxergo nada. Fraca, molenga e cansada.
— Ricardo, cadê você?
Cabeça pesada, vista pesada.
— Aqui, do teu lado.
— Ricardo!
— Calma. Por que o desespero? Feche os olhos e tudo ficará bem.
— Fique perto de mim, não saia, me proteja, não vá embora. Jura que ficará perto de mim, jura?
— Pronto. Feche os olhos e tudo estará perfeito. Tudo estará perfeito...

RODRIGO ARCADIA é natural de São Jose dos Campos, SP. “Fazedor de contos, causos e poesias”, participará de uma antologia de contos fantásticos, ainda em produção. Publica regularmente no site Recanto das Letras.



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