Por Rodrigo
Arcadia
Ele volta da
cozinha trazendo a xícara. A fumaça sai, está quente.
Como é bonito
Ricardo... Mais jovem do que eu. Joga bem tênis. Não tenho forças para correr
atrás da bolinha. Inválida.
— Não diga uma
coisa dessas, amor! — Ele disse uma vez.
Meu Ricardo...
Vejo bondade, um anjo que entrou na minha vida. Conheci numa festa.
— Lembra de como
nos conhecemos?
— Não é hora para
isso. Pegue a xícara, beba o chá.
— Está quente,
fervendo.
— Sopre. Beba
devagar.
Foi no
aniversario de uma amiga. Clotilde.
Aproximou-se,
como quem não queria nada, falou alguma coisa, não entendi. Repetiu. Prestei
atenção nos olhos, amo olhos, sempre amei olhos e os dele eram especiais.
— Meu nome é
Ricardo. — Mostrou o sorriso, apareceram os grandes dentes brancos.
Ah... Amoleci,
virei gelatina.
Jovem. Sem
problema. Meus relacionamentos sempre foram com homens mais novos; o último,
três anos de diferença. A voz era nuvem suave e amorosa. Ai, que gostoso!
— Dançar?
— Sim, dançar.
Dançar colado, música lenta. Sentir o corpo.
— Adorei. —
Confessou.
Queria vê-lo de
novo. Também queria. Depois daí começamos tudo.
Sou mulher de
muitas posses. Quatro lojas ali, duas fazendas, casas de alugueis, uma no
litoral. Tenho boa renda que me sustenta.
— É dona do
mundo. E minha dona.
Dona do seu
coração...
Muitos não
aceitavam. Clotilde era um deles.
— Ele é
misterioso.
— Com inveja,
querida?
— Imagina! É
minha opinião.
Ele me ama.
— Ricardo, você
me ama?
— Que bobagem,
claro que amo.
É verdade, me
ama.
— Beba o chá.
— Enjoada.
— Você não está
bem. Beba.
Bebo.
Vai ligar o som.
— Colocarei
Chopin. — Avisa.
Sabe que aprecio
Chopin. Queria tocar piano. Aprendi as primeiras notas, nunca tive paciência.
Clotilde toca, tem dedos leves, morria de inveja mas adorava ouvi-la tocar.
—Toque aquela,
querida.
— A Polonesa?
— Esta.
Fechava os olhos,
deixando a música fluir na mente.
— Coloque a
Polonesa, Ricardo.
Volta. Vê a
xícara.
— Ainda não
bebeu?
— Não sinto nada,
não quero chá na minha frente.
— Precisa, está
doente.
— Indisposta,
nada de mais.
— Na tua idade
uma doença à toa torna-se grave.
— Ah...
Preocupado com essa velha?
— Não fale assim,
fico triste.
— Desculpa.
Beija na boca. O
mesmo beijo de antes, o gosto da primeira vez.
Na varanda, casa
de Clotilde, no aniversario. Encostou, os braços na cintura, moveu a cabeça na
direção do lábio.
— Pare!
Virei o rosto.
— Nem nos
conhecemos profundamente.
— É
desnecessário.
Beijo forçado.
Tentei combater. Afrouxei. Terminado, encontrei-me voando.
— Toma, amor.
— Enjoada,
Ricardo.
— Toma, será o
último.
Ando molenga,
fraca, com tonturas, não estou normal, as imagens embaçadas. Falo lentamente,
recordo do passado, não estou bem.
O enxergo como
imagem fora de foco. Abro e fecho os olhos, vulto movendo, falha o raciocínio.
Vulto, algo se
movendo, cabeça girando...
Perdida. A música
recomeça, não é Chopin. Frank Sinatra.
Aproxima. Vulto.
Tenho medo.
— Ricardo, é
você?
— Sim, amor.
Bebeu o chá?
Pega a xícara. É
ele mesmo?
— Está aí,
Ricardo?
Sem resposta.
Tonta. Sem
raciocínio. Enxergo nada. Fraca, molenga e cansada.
— Ricardo, cadê
você?
Cabeça pesada,
vista pesada.
— Aqui, do teu
lado.
— Ricardo!
— Calma. Por que
o desespero? Feche os olhos e tudo ficará bem.
— Fique perto de
mim, não saia, me proteja, não vá embora. Jura que ficará perto de mim, jura?
— Pronto. Feche
os olhos e tudo estará perfeito. Tudo estará perfeito...
RODRIGO ARCADIA é
natural de São Jose dos Campos, SP. “Fazedor de contos, causos e poesias”,
participará de uma antologia de contos fantásticos, ainda em produção. Publica
regularmente no site Recanto das Letras.
Copyright 2013 (c) - Todos os direitos reservados ao autor. Esta obra é parte da coletânea 15 Contos+ Volume II, Helena Frenzel Ed. e está licenciada sob uma Licença Creative Commons 2.5 Brasil. Você pode copiar, distribuir, exibir, executar, desde que seja dado crédito ao autor original. Você não pode fazer uso comercial desta obra. Você não pode criar obras derivadas.
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